Como neurótico (assim espero, rs) sou rodeado pelas faltas. Na verdade, pulo de uma para outra sem qualquer pudor, como uma adolescente muda a cor de seu esmalte ou uma criança de um brinquedo a outro. Se, algumas faltas consigo porcamente suprir com objetos provisórios, outras eu finjo esquecer para ser surpreendido por seu retorno vigoroso em outro momento. Claro, essas faltas resolvem se travestir de outras, um charme pessoal, talvez.
Os objetos existentes em minhas lembranças românticas, resignificados como perfeitos, não foram destruídos. Eles ainda permanecem em minha experiência, só que nesta, com características mais reais. Minha racionalidade, então, se aproveita para argumentar: “Veja, insensato sentimento, os objetos não são perfeitos, eles estão na sua frente e são reais, não ideais, largue suas fantasias românticas.“ Mas meus sentimentos resolvem o problema com uma amarga saída: “Os objetos realmente não estão perfeitos, mas já o foram. Acontece, estúpida lógica, que se degradaram, se perverteram, estão decadentes.”
Logo me encontro com duas vias de frustração. Em uma tento me agarrar a objetos que em minha memória se mostraram perfeitos. Esses, porém, se apresentam decadentes, destituídos de sua perfeição. Em outra tento buscar novos elementos perfeitos, sem qualquer sucesso. Que jogo estúpido este, onde me coloco como espectador e receptor de emoções e crenças em conflito? Acabo me vendo tendencioso a acreditar naquilo que penso, como se na minha lógica e racionalidade houvesse uma liberdade, uma existência escolhida. Mas sinto, sem qualquer controle ou escolha, sinto. Mesmo sem concordar, sinto. Mesmo sem querer, sinto. Sinto tão intensamente que me faz perceber o mais óbvio: Sou muito mais o que sinto, por não poder não ser, do que o que eu acredito, que pode ser desconstruído. É Lacan, pontos para você: “sou onde não penso e penso onde não sou”...
Ulisses dos Anjos Carvalho